Livro

______________________________________________________









Mariposas ao Redor
Farley Rocha













______________________________________________________








de repente num relance
somos um mesmo ser olhando

(...)

pelo tempo de um relâmpago
somos dois seres se entreolhando
        (Chacal)








______________________________________________________







[poemas escritos no início dos anos 00]







______________________________________________________




 
Na crista da onda

Quando luzes flutuantes de qualquer semana passada em meus presentes instantes são (ou quase) reveladas faço delas combustível bebida de além-matéria que me faz do sangue diesel e do suor vapor de um maquinário constante. Daí ponho-me a caminhar páginas por veredas pseudo-intelectuais borrando palavras ao léu e ao vento imaginando paisagens de pensamentos que envolvem e sugerem um sentimento puro e (talvez) fiel.

Assim sigo com minhas bagagens minhas vestes e uma multidão de ideais buscando na crista de cada onda uma soberana forma de buscas pseudo-imortais.

Se não, ao menos aqui estou pisando pelas pegadas do rock e do samba misturando desafinado o clássico e a fama como os outros que não se vestem com máscaras pseudo-sanas.






______________________________________________________





Incógnita

Qual seria o caminho
entre relvas e ruivas, raivas e ruas?
O caminho que poderia
trazer-me um hálito de carinho,
levar-me a um átimo de satisfação
ou simplesmente me mostrar
uma verdade
que não queira ser
absoluta?

A quem ouvir?
Em que acreditar?
Onde estará o mapa?





______________________________________________________





Ternura de passarinho

Quem me dera
conhecer a linguagem dos pássaros,
saber chegar onde as andorinhas
para pairar solene
em pôr-do-sol de maio.

Quem me dera
saber assistir de breve
o amanhecer dos pombos,
povoar os céus em tardes
rubras de outono,
mergulhar rasante como
nenhuma máquina pode copiar.

Quem me dera
sobrevoar por vales distantes
aonde o discurso único
seja o canto de uma águia rara,


                                                solitária.





______________________________________________________





Utopia

Prefiro a liberdade
como a bala entre o alvo
    e a arma,
como a palavra entre o pensamento
           e a fala,
como o sonho entre o sono
            e o despertar.

Prefiro a liberdade
como Bandeira abolindo a prisão
     do verso,
como estrela cadente cortando
         o universo,
como o êxtase entre o despir
             e o gozar.




______________________________________________________





Miragens para o futuro

Meu passado é relido
a cântaros

enquanto em minha forma atual
de sentir

finjo olhar com nitidez
o ângulo.





______________________________________________________





Momentos em versão acústica

Saber tocar a vida
como se toca gaita,
flauta, um som qualquer.

Pelas avenidas
imaginar baladas,
ouvir pelas esquinas
a música passar
como fanfarra.

Imaginar o toque doce do sopro
do vento
nas janelas.

E por assim dizer,
até os casarões soariam sonoros.





______________________________________________________





Surrealismo I

Árvore,
uma sombra refletida
pelo sol da manhã
ao acordar.

A alquimia do ar
pairando no respirar
de alguém que retorna
sem ter saído do lugar.





______________________________________________________





vozes                                       ocultas,
verdades                                  ocultas:

hera que esconde no poro muro acima
                  a formiga falante
            e suas mentiras absurdas





______________________________________________________





Cérebro, pensamentos fluviais

Fluvial.
Noturno quando
penso
nos rios
tensos e
temo
quando me desaguar o
fluvial
no mar.





 ______________________________________________________





O baralho

Na sorte
o momento do acerto,
o dois de paus numa canastra,
o rei de copas sobre a dama,
o naipe oculto num piscar,
o blefe pra salvar a mão.

Na jogada
apenas uma carta
e esta não é um Ás de espadas!

Na mesa,
a grana.

Só que desta vez não há trunfos na manga.





______________________________________________________






Aprendizagem

Se um dia um não
prevalece na imensidão
de qualquer vontade,
um não porradeiro
que arrebenta quadros e vidraças
de qualquer sala de estar tranquila,

entre o gesto e o murro teso
da navalha
revelerá a sobriedade sobre o dia:
a eternidade de qualquer sim
não se mede com o disparate
de qualquer não.

A nobreza da revanche
pressupõe o revidar calmo,
                             passivo,
                         contínuo...

conquistando o que não foi no ato
concedido,
ou após, perdido.





______________________________________________________





Etéreo

A essas horas
há o vácuo da rua,
o tom pastel dos postes,
invisíveis sinais de que tudo
está normal.

Fora o vento-sopro
de céu quente-escuro,
resta o chão-e-ruído
dos meus passos-desequilíbrio
sobre ele.

Eu,
a rua
e os postes,
a essas horas,
somos como substâncias
de um vago sonho.





______________________________________________________





VIDAS INCANDESCENTES BLUES BAND

Nas ruazinhas de pedras antigas
calçadas,
nas escadinhas da antiga igreja
de São Sebastião,
nas garrafas vazias de euforias
instantâneas,
nas cinzas de cigarro pousadas
ao chão.

A poesia das noitadas
feita de saga, lendas e risadas,
em meio à cantilena da boemia encantada
misturada à inocência, o som das guitarras imaginárias,
farto rito autêntico em palmas,
ritmo de sentimento pleno,
cabelos longos, tênis sujos,
dias blue jeans.

Iluminando ideias
pelas esquinas
e rodopiando sextas a sábados
é que vivíamos cantando
as velhas canções...

e assim éramos felizes,
e assim éramos irmãos.





______________________________________________________





Mil luas

Mil luas
em diferentes estágios
circulam as entranhas
mitológicas de um ser frágil.

Mil luas
em obstantes presságios
iluminam as membranas
sóbrias de um visionário.

Ao cair da noite,
as mil luas saltam das montanhas
revelando seres
no profundo verde dos campos
e no cinza concreto
das florestas urbanas.

E diga-se de passagem,
as mil luas são estrelas
ou satélites imaginários
na pele do universo, tatuagens.

Brilhantes orquídeas: poesias.
Em pleno deserto: miragens.





______________________________________________________





Noite na serra

É de manhã
cedo, linha e lã.

O chá chimarrão
ao ferver-se da água
na fogueira ainda acesa
aquecendo o frio
a princípio da manhã.

A noite shy moon, blackbird e chão de giz
nos acordes acordados das cordas em corais
se desfaz agora
com a bagunça dos pardais
e os primeiros raios de sol
despertando o pessoal
para arrumarmos as mochilas,

descermos a serra,

pisarmos o chão.





______________________________________________________





Incoerências

coerência me falta aos olhos
            falta-me dar sentido ao que vejo
coerência me falta à boca
  falta-me entender os seus desejos
coerência me falta aos ouvidos
  falta-me absorver o que não percebo
coerência me falta aos atos
            falta-me reconhecer neles os segredos
coerência me falta à linguagem
            falta-me acreditar no que escrevo





______________________________________________________





Batalha da ilusão
                                   (por: Diego Rodrigues Bento)

Quando acordo vejo seus olhos,
Mas talvez seja mera ilusão.
Quando estou perto de ti me sinto bem,
Mas talvez eu esteja mais distante que penso.

Vamos lutar juntos até a morte...
Talvez eu esteja lutando sozinho...
A guerra só termina quando morre o último soldado...
Mas talvez eu tenha morrido e você
Não tenha percebido.

A guerra terminou.
Eu não sou o último,
Mas lutamos em lados opostos.





______________________________________________________





Onipresença

Falam que o amor está sempre por aí
como qualquer coisa
que habita todos os lugares.

Ele surge, invade e explode...
Depois, assenta-se devagar.





______________________________________________________





Vinho tinto

A taça de vinho tinto
tingindo detalhes no seu vestido branco
tidos desvestidos numa noite
vindos repentinos toques
não vistos no escuro
do vinho tinto enfoque
cio, balbucio com o forte vinho
que faz o físico mudo
e a alma tremer
com goles do
vinho tinto
que morde
sem doer,
sem corte.





______________________________________________________





De Um Tudo Por Ti

Subverti a Linha do Equador
E num condor cruzei os oceanos

Pintei desertos com lápis de cor
E transformei a areia em pântanos

Isolei a Ilha de Páscoa
Com moais de aço e latão

Com mil passos fui de Minas ao espaço
Pegar um pedaço de estrela

Só pra enfeitar a tua mão.





______________________________________________________





Voar sem hora

Hoje acordamos
e juntamos linearmente
os sintagmas.
Com pés descalços descemos
livremente as escadas.

Saímos com passos livres
como pássaro sem gaiola,
voamos lado a lado
sem estarmos em jaula,
voando sem hora
para chegar
em algum instante
em algum lugar,
já fizemos isso antes
e fazemos isso agora.

Voar sem hora,
sem instante,
na instância sonora
da hora que rola
pela flora sonora
da hora.





______________________________________________________





Pano vermelho (de fundo)

Lembrava-se bem da partida
quando olhava o retrato.
Apertava-o e pensava
que assim ainda poderia sentir
o perfume de rosa
daquele pano vermelho
que lhe cobria o corpo.
Vermelho como eram seus lábios
tão vermelhos
quanto era sua pele clara
ao mormaço,
vermelho vivo como
sua condição feminina,
vermelho da cor da
sua vida agora,
um eterno pôr-do-sol,
       pouca luz,
      fim do dia.

Vermelho como é o sol
        na hora da partida.





______________________________________________________





Clandestina
                        (letra de amor para um poema brega)

Em noites frias
de inverno cinza
tu és minh’alma gêmea
a equilibrar o calor do meu corpo
  um louco
          a apreciar teu sopro
de mulher querida.

Tu és minha’mante linda,
clandestina de minhas vontades,
ocultastes meus defeitos,
perdoastes meus erros,
ensinaste-me a amar...

Tu és a linda
dos meus sonhos menino,
teu nome um hino,
teu amor minha paz.





______________________________________________________





Flor de cacto
             (baseado no poema “o cacto” de Manuel Bandeira)

Confesso que minha lucidez
é vulnerável
a sua perplexa leveza.
Desperta desejo em possuí-la
tanto quanto uma obra cara,
uma espécie única...

Sugere percepções
de complexa natureza.
Sua exótica beleza me faz temer
e me faz sorrir.
Seu aroma é sutil ao mais lépido olfato.

Flor de cacto com pétalas sensíveis...
mas intocável.





______________________________________________________





À portas fechadas

Sussurramos aos ouvidos
        vozes, sopros, gemidos,
             únicos e desejados ruídos
        de nós dois.

               Teus
               pelos
               pelos
               pelos
       do meu corpo
 num prazer em
              ter,
              ser
e assim
           viver
aquele nosso romântico
   (mas comportado)
           amor.





______________________________________________________





Manifesto sentimental

Diria:
é essa vontade de te ver
que me faz sentir poder
para correr
ainda mais rápido que a luz,
rumo à imensidão
em que tu propagas
no infinito caminho
entre tempo e destino.

Diria mais:
essa vontade de conhecer
o que tu celebras
para mim,
saber qual tinta que pinta
a tua forma,
é que me transforma diariamente
em anjo e pecador:

sagaz na maneira de te sentir,
fiel no jeito de me expor.





______________________________________________________





Poema para ser lido
às cinco da manhã, sozinho

Como bêbado quero bailar loucuras
em domingos de solidão,
beber mais uma
esquecer da vida,
subir coretos, gritar te amo!
anoitecer no relento
sonhar romântico.





______________________________________________________





Seu sabor é doce
E amargo.


Sorve mel nos lábios
E é sorriso de lagarto.





______________________________________________________





Esfumaçante

Sei como sabes
agora estou aqui
assistindo aos pés da cama
o trem esfumaçante partir.

Sei como queres
subir pelas paredes
em ascensão aromática de si
agora que estou aqui
com sede
assistindo ao trem partir.

Partiremos a noite ao meio
sublinhando vontade voraz,
arrasaremos com olhares obscenos
fazendo coisas que nem Freud é capaz

de explicar a fumaça,
     o apito,
           os trilhos
  e o caminho
que o trem esfumaçante faz.





______________________________________________________





Pra ser assim

Gostaria de cantar baixinho
em lirismo,
pronunciar o que jamais
foi dito,
despir sentimentos
num só poema minuto.

Gostaria de beijar um lábio virgem
de carinho,
saborear canções em noites longas
de luar,
receber calor como ave
no ninho,
descansar à sombra após brincar
feito criança infestada de pureza,
  -   sem destreza,
     sem vociferar.





______________________________________________________





Sereno sonho

Escrevo-me como pergaminho,
a mim ensino
com quantos sonhos se faz uma vida.

Atiro-me solstícios de primavera
e espero, sempre olhando,
o dia que se apaga
no mesmo lugar
pra inventar sonhos,
num lugarejo qualquer
rodeado por montanhas,
chaminés e grilos,
enquanto aguardo ostensivo
os sonhos caírem ao sereno.





______________________________________________________





Sem querer

a pulsação que de mansinho
apareceu no peito
já estoura aos ares pétalas em clímax sentimental

agora não tem mais jeito
tem de ser assim
assim até o final.





______________________________________________________





Sensação indiscreta

Quando o inesperado acontecer
ouviremos o eco das risadas nossas,
os vaga-lumes em festa celebrarão
nossa alegria,
até os galos cantarão em refrão,
as civilizações serão testemunhas
de nossos passos,
e assim nosso flerte infinito
será assistido à TV a cabo,
nossos nomes serão anunciados em palanques,
quando o inesperado acontecer,
       você vai ver
 parecerá eterno.





______________________________________________________





Quero a cor

     Se é dor sem-ti,
quero a cor dos teus
      lábios
em sábios movimentos
      labiais
fazendo acordo
        ao acordar
            pedindo
        para deitar.

Quero tua cor
pedindo para amar,
     calar a dor.





______________________________________________________





Você se foi.
Não de mim,
mas
     dos
         meus
    olhos.





______________________________________________________





Passeio pela cidade imaginária

Ver esta cidade sob luzes opacas
na serração de intenso junho.
Senti-la reaparecendo submersa
ao turvo fulmo
com suas ruas, árvores
e placas.
Labirintos de paredes sólidas confortando sono.
Nas calçadas, resquícios de pegadas.
Flash backs esquecidos sobre o pó...

(mas entre a mariposa e a lagarta de quintal
[existe o orvalho!
contorcendo-se mudo entre musgo e cogumelo
[no Jardim Central.)

Além,
seus bares reinventando
a vida de muitas vidas,
cinzeiros na roda consumindo histórias,
copos enxugando a alma,
enquanto no silêncio dos olhares perdidos
arquetipam-se oníricas filosofias,
remontam-se teorias
e antigas utopias
dos herois sem brilho,
sem feito,
sem nome.

Ver a cidade madrugada,
sem rostos,
imaginária.
A cidade B
da cidade habitada.





______________________________________________________





Acampamento

A mochila
A bota
A trilha
A subida

A fogueira
A barraca
A lua
A cachaça

O violão
A cigarra
A caneca
A vista

A montanha
O frio
O sino
Os mitos

A poesia
A canção
O casal
O coração.





______________________________________________________





Mesmo se tu partisses
estarias tão próxima que pelas lembranças
eu pegaria carona
em rabo de cometa.





______________________________________________________





Sempre assim

Perambulei estrelas pelo céu de lama
sobre seus olhos,
e você nem se tocou
que era eu apaixonado...





______________________________________________________





[In off]

O sol já nasceu,
já desligaram os alto-falantes,
os corpos estão vazios,
já não temos mais nenhum plano.
Agora são só bêbados no chão
e pensamentos de momentos em vão,
em uma noite de festa,
em uma reza às substâncias entorpecentes.
Peguemos as moedas do bolso,
peguemos a lucidez enquanto ainda a temos,
porque hoje já não é mais hoje
vamos embora para casa,
vamos sair de fininho,
sair sem dizer nada com o nada.





______________________________________________________





Cabedal

Existe um lugar
criado por cenas de filmes,

páginas de livros,

ícones e estampas,

status e imagens.

Existe mesmo este lugar,
é onde o que representamos não passa de mero produto final daquilo
que realmente somos.

Existe sim este lugar,
e nele cabem a gota
o cosmos
a ideia
e o ser

indefinidamente dentro de nós.





______________________________________________________





Imensidão

Basta um sorriso
em teu rosto
pra que a minha vida
se torne uma folia.





______________________________________________________





Ares noturnos

Saboreio a noite como se dela
o que me restasse fossem apenas
delírios,
e seu hálito perfumado
vem das flores negras que desabrocham
ao entardecer.

A noite tão noite
quanto o escuro reluzente em passos
quase aéreos...
é ela,
tão sublime quanto a erva do meu chá.





______________________________________________________





Bon Voyage!

Juntos vimos pela janela
as memórias, passarinhos,
versos, riachos e histórias
sobre tardes de nuvens rosas
como se olha fotografia.

Seguiremos agora nosso caminho
pelo céu
ou pelo chão,
mas qualquer que seja ele
nosso caminho há de não ser em vão...

o seguiremos

nesta hora

então.





______________________________________________________











FIM